segunda-feira, 12 de maio de 2014

Vai ter Copa?

pintura de Sandra Elen Anacleto
Um silêncio constrangedor pairava no Brasil. Só um pequeno grupo fazia barulho, no espaço de menos de um quinto do Maracanã. Um grão azul de felicidade numa imensidão verde-amarela de espanto que, em efeito dominó,  extrapolava os muros do estádio, as divisas do Rio de Janeiro, espalhava-se até a Amazônia e os pampas.

A torcida italiana comemorava o 1 a 0 da azzurra, aos 20 minutos do primeiro tempo. No início da segunda etapa, o centroavante brasileiro acerta no ângulo um chutaço de fora da área. Nunca um grito de gol ecoou tão alto e com tantas vozes ao mesmo tempo. A alegria dura 5 minutos. 2 a 1 pros italianos. A equipe nacional se abate. Só o artilheiro de camisa amarela não desiste. Aos 40 minutos, ele pega a bola no meio de campo, dribla quatro marcadores e o goleiro para fazer o gol mais bonito da competição. Diriam depois, que fora o mais belo da história das copas. O Brasil acorda! Pressiona! Já nos acréscimos, depois de um dramático bate e rebate na área, a bola sobra para o mesmo camisa 9. Mais um chute forte e certeiro. Brasil campeão! 3 a 2.

Era assim, na infância, que eu sonhava com uma final de Copa do Mundo no Brasil. E, claro, o nome do centroavante autor dos três gols era Romeu Piccoli. Disputei essa partida muitas vezes na minha cabeça, sempre de forma cinematográfica, apoteótica como deveriam ser todas as partidas de futebol. Uma vingança imaginária aos reais 3 a 2 da Itália, em 1982. Aquele jogo doeu. Como a seleção que só tinha Paolo Rossi mandou de volta pra casa o mágico time de Telê Santana, com Sócrates, Zico, Falcão e companhia?

Eu era o único da família que realmente gostava de futebol. A não ser em Copa, quando pai, mãe e irmãos viravam torcedores cheios de opiniões. Diziam que eu era o boleiro da casa, porque, em 1970, aos 7 meses de gravidez, dona Jandira  (comigo na barriga) pulou o muro da casa da minha avó, num movimento só, para comemorar o tri. 

Por muito tempo o futebol fez parte da minha vida. Aos poucos, as chuteiras foram dividindo ou perdendo espaço para as pranchas,  a máquina de escrever, o computador e o microfone. Mas a bola sempre estava presente. Pelo menos uma vez por semana ou a cada 15 dias tinha uma pelada na praia ou em alguma quadrinha. E vira e mexe eu assistia aos jogos do Corinthians, do Santos, do Brasil ou mesmo algum clássico pelo qual meu coração não batesse mais forte, mas que agradasse aos olhos. 

Pendurei definitivamente as chuteiras quando, já trabalhando em TV, comecei a cobrir futebol. Vi de perto toda a sujeira de cartolas, torcidas organizadas, técnicos e jogadores. Sobre as estrelas meu chefe Eduardo Silva, bem mais experiente no mundo da bola, dizia: "alguns pensam que são Deus, outros têm certeza". Viola, Luxemburgo, Leão (só pra citar alguns). Malas! Perdi o interesse pelo esporte. Nem tirar mais sarro dos amigos fanáticos eu tiro. 

Não sei se é por esse meu distanciamento, mas tenho a sensação de que, justamente na Copa no Brasil, o brasileiro está desanimado. Não vejo ruas pintadas. Camisas amarelas e bandeiras, só nas lojas. Ouvi pessoas criticando ou elogiando a seleção apenas no dia da convocação. O bordão da vez é "imagina na Copa", e não tem nada a ver com futebol.

Como disse um colega de trabalho, fanático por bola e empolgado com a competição, mesmo sem a Copa, a saúde, a educação e a corrupção continuariam terríveis no País. É verdade. Mas os exorbitantes "investimentos" públicos com a competição tornaram ainda mais visível o fosso que separa os gastos com o que é essencial e o que não é necessário para a população. É como se os governantes falassem: "o povo é burro, ama futebol e vai fechar os olhos".

O brasileiro não é mais tão manso. É claro que quando o juiz apitar o início do jogo a grande maioria, e eu me incluo nesse grupo, vai torcer pela seleção. Os comandados de Felipão não têm culpa pelas mazelas do País e nós não devemos ficar com peso na consciência por vibrar com a equipe. O problema é que, se o Brasil for campeão, o desperdício e a farra com o dinheiro público vão ser abafados pela euforia do título.

Se vai ter Copa? É óbvio que vai. Mas seria melhor se não tivesse.

Por Romeu Piccoli