quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Quarenta e cinco

 Os olhos abriram antes de tocar o despertador, aquela maquininha que agora tira foto, grava vídeos e navega na internet. Ah, ainda dá pra fazer ligações telefônicas, inclusive vendo a pessoa que está do outro lado da linha. Ficção científica, eu diria 20 anos atrás. Naquela época, "ficção" vinha acompanhada de "científica".

20 anos atrás, meus olhos jamais abririam antes do despertador, aquele aparelhinho que apenas marcava as horas e me acordava. Estranho. Antes, eu tinha mais energia e precisava dormir mais.

A dor era uma fulana que eu só cumprimentava quando tomava alguma pancada. Agora, troco ideia com ela quase todos os dias. Hoje, por exemplo, depois que acordei e estiquei o braço pra pegar aquela maquininha que também marca as horas, ela deu bom dia pra mim. Estava agarrada nos meus ombros e nas minhas costas. 
Hoje, a dor me cobrava as quatro sessões de surf em uma semana. Como ousei!? 20 anos atrás, surfar todos os dias não era ousadia. Não tinha cobrança. Não doía nada.

Mas isso não é queixa. O tempo, mano velho, agora corre macio. Não tem inquietação.  

Depois de ver as horas naquela maquininha, abri uma foto do dia anterior. Cinco amigos. Todos com mais quilos e menos cabelos do que 20 anos atrás. Todos com avenidas rugosas marcadas no rosto. Mas todos na praia. Com sorriso aberto. Sorriso que já estava escancarado antes da foto (tirada com o aparelhinho). 

Levantei. Meu aniversário. Eu nem perceberia que já faz tanto tempo se não fossem a tal maquininha moderna, as dores no corpo e a esposa dormindo profundamente. Com 14 anos a menos, ela sempre dorme algumas horas a mais do que eu. 

Dei uma espiada pela janela. Do 28 andar vi a selva de pedra. Não sofri. É bonita a seu modo, embora não se compare à vista do mar.

Chequei as horas na maquininha. Antes, quando olhava o relógio, queria que os ponteiros andassem rápido. Tinha pressa. Agora, sei que cada minuto a mais é um minuto a menos. Por isso, curto mais cada minuto.

O tempo que eu levo pra fazer as coisas já não importa. Desde que seja um tempo bom.  

Cheguei aos 45. Do primeiro tempo.

Por Romeu Piccoli

"A coisa mais moderna que existe nessa vida é envelhecer." Arnaldo Antunes