domingo, 18 de fevereiro de 2018

Treze minutos

(Catarina - Capítulo 1)

Catarina saindo do hospital com o lacinho de
perua, presente das enfermeiras e técnicas da UTI.

Em 13 minutos a Alemanha fez 4 gols no Brasil, Kelly Slater tirou duas notas 10 no Taiti, 2.340 pessoas nasceram no mundo, outras 1.326 morreram. Esse foi o tempo que o coração da Catarina levou pra voltar a bater, que o pulmão dela demorou pra oxigenar o resto do corpo. Em 13 minutos a minha filha renasceu. 

Era 24 de dezembro. Eu cheguei em casa com o peixe que prepararia pra ceia. A Patrícia disse que sentia uma dorzinha na barriga de 32 semanas de gestação. A dor aumentou. Dentro do carro, a caminho do hospital, o tormento ficou insuportável. 

Fábio Califre, o médico de plantão, não conseguiu escutar o coração da nenê. Correu pro ultrassom e percebeu um leve movimento cardíaco. "Tá de bradi, tá de bradi, prepara o centro cirúrgico imediatamente!". Catarina estava com bradicardia. O coração batia muito fraco, quase parando. Correria no hospital. Patrícia recebeu anestesia, mas não dava tempo pra esperar o medicamento agir. Ela sentiu a dor do corte na barriga. Ficou firme. A mim restava segurar a mão da segunda mulher mais corajosa do mundo naquele momento. A primeira era a Catarina.

Catarina foi retirada da barriga da mãe às 16h12 da véspera do Natal. Não chorou, não respirou, não se mexeu. O coração não batia mais. O teste de Apgar é uma escala de zero a 10 para avaliar a vitalidade do recém-nascido. O Apgar da minha filha era zero. 

Na sala ao lado da do parto, três médicos tentavam reanimá-la. Usaram todas as técnicas possíveis pra trazê-la de volta. Foram 13 intermináveis minutos até Catarina voltar a respirar. O médico me perguntou se eu sabia o que uma reanimação de 13 minutos significava. Eu achava que sabia. Ele me disse que não podia me prometer nada, apenas que o hospital faria o melhor possível. Quem daria a resposta seria a própria Catarina. Na realidade, ela já havia dado.  

Eu só entendi essa resposta de madrugada, na UTI, quando a bebê começou a se mexer. Frenética, ela batia as mãos na infinidade de eletrodos, tubos e acessos grudados naquele corpinho de 40 centímetros. Ela tinha decidido viver.   

Foi difícil. Em 55 dias de UTI e dois de semi-intensiva, Catarina levou mais de 100 picadas. Recebeu quase uma dezena de transfusões de sangue. Enfrentou insuficiência renal, problema no fígado e anemia. Pegou uma bactéria, que gerou infecções no tórax e na perna. Passou por dois ciclos longos de antibióticos, tomou remédios fortes. Teve, pelo menos, uma convulsão. Sofreu uma hipoxia-isquemia e uma hemorragia no cérebro. Superou tudo.  Entrou na UTI com 1,405 kg, caiu para 1,2 kg e saiu com 2,2 kg.

Na semana passada, ela passou por uma ressonância magnética no cérebro. Os médicos sempre foram muito competentes e realistas. Nenhum deles se arriscava a dizer que nossa filha teria alta sem sequelas. Eu me preparei pras consequências.  

Sabe de nada, inocente! A ressonância mostrou que todas as lesões cerebrais foram absorvidas pelo organismo. Hoje, estamos indo pra casa. Temos uma maratona de acompanhamentos pela frente com fisioterapeuta, fonoaudiólogo, pediatra, cardiologista, neurologista, ortopedista, otorrinolaringologista e mais alguns “istas” que eu devo ter esquecido de citar. Mas, fora um exame que detectou algo diferente na audição (pode ser imaturidade devido ao nascimento prematuro), não há nada que indique um problema futuro. 

Bora, filha. Esse foi só o primeiro capítulo de um livro enorme e nada entediante que você começou a escrever. Aqueles 13 minutinhos, aqueles 57 dias não foram nada. Você ainda tem a vida inteira pra continuar me ensinando um monte de coisas.   


Por Romeu Piccoli