Fotos: Romeu Piccoli |
Era pra ter saído da casa dos pais com meia hora de antecedência. A prefeitura fecha às 16h. Funcionário público tem sorte. Eu não. Faltam 14 minutos.
Viro a chave do carro. A luz amarela lembra que era pra ter abastecido. Não dá pra parar agora. Também não dá pra ligar o ar condicionado, senão o combustível não vai dar. Por que eu pus álcool da última vez? 38 graus lá fora. Dentro do carro, que estava fechado embaixo do sol, uns 45.
Janela aberta. Cabeça fervendo. Trânsito. Antes, era só nos finais de semana e feriados, quando os farofeiros invadiam a cidade. Agora os farofeiros são diferentes. Mas ainda são farofeiros e passam o verão inteiro por aqui. Eu chego perto do semáforo, ele fecha. Quando abre, uma mulher pisa na faixa de pedestre. Não vou avançar, não vou falar um palavrão. Eu sou civilizado, me convenço.
Por que eu quis pegar onda antes de resolver os compromissos nessa rara folga de meio de semana? Aliás, toda folga é rara para um jornalista. Eu sei porque fui surfar antes. Porque é muito melhor do que resolver questões burocráticas. Qualquer coisa é melhor do que resolver questões burocráticas. Principalmente, no país da burocracia. Burocracia que não funciona. Do país que não funciona. E eu sou filho desse país. Por isso deixei pra última hora, pro último dia possível de resolver a maldita questão burocrática. Eu sou igual a estádio da Copa. Atrasado, enrolado. Só não tenho tanta grana, nem falcatrua.
Cheguei na prefeitura!
—O estacionamento tá cheio, patrão.
Eu não vou xingar o porteiro da prefeitura. Ele não tem culpa. Sou civilizado, me convenço.
Duas voltas ao redor do paço. Não tem lugar. Dentro do carro, sozinho, eu posso xingar. Caralho! Não vou parar em vaga para deficiente. Eu sou civilizado, me convenço. Um Celta sai. Com a tal da pressa inimiga da perfeição, espremo meu carro na vaga do celtinha. Bato no para-choque do carro da frente. Bato no para-choque do carro de trás.
Saio correndo, pingando suor, com dor de cabeça. Na porta da prefeitura lembro que deixei os documentos no carro. 15h55. Corro mais, transpiro mais, a dor de cabeça aumenta. Quando pego a pasta no banco do passageiro percebo que amassei o carro de trás. Prejuízo. Porra! Depois resolvo isso.
O guarda municipal tá fechando a porta da prefeitura. 15h59.
—Corre lá, Romeu.
Gente boa esse cara, acho que já joguei bola com ele quando era moleque.
—Moça, preciso entregar essas guias.
Ela não se sensibiliza com a minha respiração apressada, com o meu suor, com a minha ansiedade.
—Sinto muito, senhor. Nós não vamos poder estar atendendo o senhor.
—Pô, mas são quatro horas!
—São quatro e um, senhor. Diz a atendente, já se retirando da sala.
Isso funciona no Brasil, o horário de fechamento da repartição pública.
Eu suplico, imploro:
—Moça, por favor, eu moro em São Paulo, por favor, por favor...
Ela já saiu da sala.
FILHA DA PUTA!!!! Eu sufoco o xingamento na garganta. Sou civilizado. Sou atrasado. E me convenço, sou brasileiro e sou calado.
Por Romeu Piccoli
Por Romeu Piccoli