segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Qualquer semelhança

Um desfalque na conta bancária e boas histórias para contar. São os resultados de um mês sem carro. Ou melhor, um mês em vários carros brancos com placas vermelhas, dirigidos por seres intrigantes. Fico curiosíssima para ouvir causos e peripécias dos taxistas. Geralmente, não precisa de pergunta, nem de uma repórter no banco de trás.

—Para onde?
—Alto da Lapa, por favor.

Esse era mais velho. Cabelos brancos, encaracolados. Falou tanto, que fiquei à vontade.

—Já te falaram que o senhor parece o Mandela?
—Mandela?
—É, o Nelson Mandela, que morreu recentemente — ele interrompe ao se lembrar:
—Ah, o presidente, né?
—Isso, da África do Sul.
—Não, já me falaram que pareço o Bira.
—Bira?
—É, do Jô Soares.
—Nossa, verdade. Parece o Bira mesmo.
—Tem um outro sujeito que o pessoal fala que eu pareço muito, mas eu não gosto. Fico bravo, às vezes.

O sinal fecha, ele olha para trás e, concluo, pasma:

—Reginaldo Rossi!

Rachei de rir. O taxista era simplesmente sósia do cantor. Bochechas grandes, lábio inferior carnudo, cabelos crespos e óculos. Irmão gêmeo separado na maternidade. 

—Todo mundo vive falando que eu pareço o Reginaldo Rossi. Outro dia, no ponto, uma mulher cismou que eu era ele. Os caras acharam graça, começaram a brincar que era eu, mesmo. Ele ainda não tinha morrido. Não é que a mulher veio me pedir um autógrafo?
—E o senhor deu?
—Eu não. Quer autógrafo, pede para ele.

No rosto carrancudo, a satisfação de ser reconhecido se mistura à frustração de ser sempre confundido. Ele se cala. Tenta provar que não se orgulha da semelhança. 

Alguns minutos depois do silêncio, raro numa corrida de taxi, não se aguenta. 

—Eu já carreguei ele. 
—Quem?
—O Reginaldo! Tava a mulher dele, um cara e ele sentou aqui na frente. Eu olhei, assim de rabo de olho, e pensei: "Se ele falar que eu pareço com ele, eu vou dizer: 'Eu não, tá louco. Eu sou bonito, você é feio'."

Não precisou. O cantor nem enxergou o rosto do motorista. Foi nessa época que ele começou a se fazer de desentendido. Quando alguém destacava a semelhança, ele fingia:

—Quem? Não conheço esse cara.

Mais um dedo de prosa e cheguei ao meu destino.

—Trinta e quatro.
—Deixa eu ver se o senhor parece mesmo o Reginaldo Rossi. Olha aqui… 

Ele se vira.

Não resisti. Até tinha pensado em poupá-lo, mas ele era a reencarnação do velho Reginaldo.

—Posso tirar uma foto?

Seu ReginaldoCoverBravoDemais ficou vermelho, entregou-me o troco e balbuciou:

—Quer foto? Pede pra ele.

Foi embora reclamando do destino inexorável de ser o clone vivo de um morto famoso.
Foto roubada, pra não dizer que inventei
Por Patrícia Ferraz


Um comentário:

  1. Muito bom Patrícia! Muito bom! Aliás, excelente, sorri muito, meus pais e eu estamos nos divertindo pacas com os textos do blog.

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