sábado, 20 de agosto de 2016

Ele é só uma criança




No ano passado, foram as fotos do corpo de outro menino sírio estirado na areia da praia - depois do naufrágio de um barco de refugiados que partiu da Turquia rumo à Grécia - que nos afligiram. As imagens rodaram o mundo. Chocaram o mundo. Alan Kurdi*, o nome dele. Mas, podia ser Pedro, Lucas, Gabriel. Aos 3 anos, Alan era muito parecido com nossos filhos. Vestia camiseta vermelha, bermuda azul e tênis. 


Menos de um ano e meio se passou e a gente se depara novamente com uma imagem avassaladora. O garoto que tenta enxergar a guerra apesar do sangue que lhe escorre sobre os olhos tem nome árabe: Omran Daqneesh. Mas, ele também se pareceria com os nossos, a não ser pelo fato de que não chora diante do horror. 

Omran aparece sentado na cadeira de uma ambulância aplacado pelo choque ou pela resignação de quem convive com a guerra. Sem os pais, coberto do pó da destruição e do sangue da violência, ele não se desespera. Não grita. Não se encolhe de medo. Não soluça.

Aonde foi parar o instinto desse garoto? Quanto mal e quanto medo ele enfrentou, nos poucos 4 anos de vida, para chegar até aqui com tamanha tolerância? 

O mundo precisa de crianças que chorem diante do perigo. Crianças que só se deitem na areia da praia sobre toalhas limpas e sob o olhar dos pais. Crianças que se sujem de pó apenas quando furam um saco de farinha. E que só tenham o rosto pintado de vermelho se for por tinta em dias de festa e carnaval. 

Para o pequeno Alan e tantos outros, já não há mais tempo. Ninguém no mundo foi capaz de evitar que enfrentassem os mares revoltos, as caminhadas extenuantes, os disparos de fuzis, os bombardeios. Mas, quantos Omrans sobrevivem todos os dias ao horror? Quem está preocupado com a vida deles? 

É inaceitável dormir depois de ver imagens como essas. É repugnante comer diante da TV que exibe essas cenas. Precisamos nos revoltar, debater, gritar. As autoridades mundiais têm que abrir os olhos para essa situação. Não se pode permitir que a insanidade de uns destrua o futuro de tantos.

Muito além do combate ao Estado Islâmico, com bombardeios e a reconquista de territórios ocupados, é importante que as nações se abram para receber os refugiados. Vamos oferecer a nossa solidariedade. Nossas casas, roupas, parques, praças, empregos e escolas. Vamos ensinar nosso idioma.

Se não for por compaixão, que seja por egoísmo. A humanidade está preparada para as consequências de uma geração que artificialmente tolerou a morte e a ruína? Porque a revolta, meus caros... A revolta há de surgir, cedo ou tarde, na vida de quem é massacrado sem saber por quê.

Por Patrícia Ferraz



*No princípio, foi divulgado o nome Aylan. Mais tarde, a família retificou.

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