sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Não me leve
















Diana sentou-se no banco da frente.

—Para a Avenida Pacaembu, por favor.
—Sorte da senhora que o jogo é mais tarde. Aquilo lá vira um inferno em dia de clássico.
—Meu marido sempre dizia isso.
—Viúva?
—Não. —Ela achou graça da pergunta— Recém-separada.

Silêncio.


—Desculpa, dona. Não quis intrometer.
—Tudo bem. Quanto mais a gente fala sobre o assunto, mais leve parece ficar.
—Posso perguntar outra coisa então?
—Sim.
—Foi traição?
—Não, exatamente. O encanto acabou.
—Ah, mas aposto que ele se apaixonou por outra!
—Fui eu que me apaixonei.
—Puxa! Coitado.

Outro silêncio.


—E, deu certo?
—Não. O outro também é casado.
—É, deve ser muito bem casado, então, para dispensar um mulherão desses.
—Obrigada.

O barulho da rádio trânsito tomou conta do carro. Enquanto o taxista atravessava a Av. Paulista a vinte quilômetros por hora, Diana mergulhou fundo nas dores recentes. Ela desconfiava. Leonel nunca teria coragem de dispensá-la. E nem de ser dela.

—Posso cortar caminho aqui pela Alameda Campinas?
—Pode... O senhor é casado?
—Há vinte e quatro anos. Em 2015 vamos fazer um festão na vila pra comemorar bodas de prata.
—Parabéns. O meu durou só sete anos.

O silêncio agora foi curto, interrompido pela curiosidade dela.

—Posso perguntar uma coisa?
—Claro!
—O senhor ama sua mulher?
—Ah, eu gosto muito dela.
—Não, tô falando de amor, amor de verdade. O senhor ainda a ama?
—Eu nem devia falar essas coisas, mas acho que para a senhora eu posso contar. Amor, amor mesmo, eu sinto por outra pessoa. A Jussara é minha companheira, a mãe das crianças. Mas é na Nívea que eu penso todos os dias quando acordo.
—E o senhor se encontra com a Nívea?
—De vez em quando. Agora ela deu uma sumida. Já tem uns três meses que não vejo ela. Mas a gente se encontrou por muito tempo.
—Muito tempo?
—Muitos anos...
—Quantos?
—Conheci ela em 97. E, desde a primeira vez, a gente nunca mais se afastou.

Diana não conseguia entender. As histórias se repetem. Um amor clandestino e um casamento de fachada. Anos a fio… Por quê? Para quê?

—Dona, a São Carlos do Pinhal também tá parada. A senhora prefere voltar para Paulista?
—Não, pode fazer o caminho que o senhor achar melhor. Agora, me diga: nunca te passou pela cabeça largar tudo, se separar e viver essa história com a outra? Por que continuar casado, sem amor?
—São duas coisas diferentes, sabe? A Jussara é minha mãezona. A senhora tem que ver como ela cuida de mim. Chego em casa toda noite, já tem a comidinha pronta, a roupa lavada, a cama cheirosa. Quando eu tô muito cansado, ela ainda me tira os sapatos e faz massagem!
—Sim, mas e daí?
—Foi com a Jussara que eu construí minha vida. As crianças já estão grandes, bem-criadas, a senhora tem que ver. Tá tudo fazendo faculdade! Agora, a Nívea, não. A Nívea é minha alegria, minha parceira. A gente vai junto no jogo do Corinthians, ela torce comigo como se fosse homem! A gente viaja, vai pra cachoeira, passa a noite bebendo... a Nívea é minha diversão.
Foto: Romeu Piccoli
—E ela sabe que o senhor é casado?
—Sabe.
—Não se importa?
—Eu sempre disse para ela que iria separar. Mas nunca tive coragem. Hoje eu sei que isso nunca vai acontecer. Não largo a Jussara por nada nesse mundo. A Nívea se injuriou. Mas acho que daqui a pouco ela volta. A gente se ama.
Diana arriscou mais uma pergunta. —O senhor é feliz?

...
Foi o último silêncio. Ela nem precisava ouvir a resposta. Agora, entendia o taxista e, também, Leonel.

A corrida levou mais quarenta minutos. O rádio falava em 196 km de lentidão na cidade.  Diana ouvia as motos que não paravam de buzinar. Mas estava longe dali. Quando chegou ao consultório, tinha duas pacientes para atender. Lavou as mãos, enxugou as lágrimas e deletou da agenda o telefone de Leonel.

Por Patrícia Ferraz



5 comentários:

  1. Sempre perspicaz... Parabéns! Serei leitora assídua! Raquel Rocha

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  2. Obrigada, minha amiga! Venha sempre. Vou adorar. Beijos

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  3. Ficou parecendo que abri um livro no meio... fiquei com vontade de ler mais!!! Claro que vou acompanhar!! Sou fã!

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    1. Linda! Obrigada por ser minha irmã de alma... A casa é sua!

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