sábado, 11 de janeiro de 2014

A morte do machão

Foto: Romeu Piccoli

Almoço de domingo. O anúncio deixou pai, mãe, avó, tia e irmã incrédulos. Em 36 anos de vida Robson nunca falara em casamento. Mas agora ele estava convicto. "Encontrei a mulher da minha vida". 

Conheceu Keila no restaurante onde comia o prato-feito bem servido perto da fábrica. Ela também trabalhava por ali. Era cabeleireira. 

Robson fez a declaração solene à família logo depois do primeiro encontro. Uma carona no final do expediente e só rolaram uns beijos. Ele respeitou a moça. Já estava apaixonado. E isso era raro. 

Foto: Instagram Emerson Sheik
Machão, Robson não era o tipo de se entregar aos sentimentos, muito menos de falar sobre eles. Também não gostava de música romântica e odiava gays. Cortou relações com Otelo depois que o primo assumiu a homossexualidade. "Sem-vergonha!". Arrancou o pôster da parede com Emerson Sheik comemorando o segundo gol do título da Libertadores assim que viu a foto do atacante dando um selinho num colega. Numa reunião, na Gaviões da Fiel, prometeu quebrar na porrada qualquer um que ousasse fazer parte das Gaivotas Fiéis, a torcida cor-de-rosa do Corinthians. 

Keila quase não falava da vida pessoal. Era meiga, mas com atitude. Tinha nos olhos um pouco de tristeza e a força de quem já sofreu bastante. Era alta, loira, sempre muito maquiada. Só não era perfeita porque torcia pro Palmeiras. Mas ela podia.

Com o namorado novo, Keila fazia linha dura. Foram ao cinema, passearam de mãos dadas no shopping. Depois, só beijinhos no carro, o que deixava Robson ainda mais apaixonado. No sexto encontro, ele foi buscá-la no salão de beleza empunhando um buquê de rosas. Assobios e risadinhas dos colegas da garota. 

Aquela noite foi quente! Keila ficou sem a blusa. Resistiu.  Não tirou a calça jeans colada nas coxas longas e grossas. Lá pelas tantas, abriu o zipper de Robson e, com a boca, o fez ter a melhor sensação que já experimentara na vida. 

Keila sabia que não daria para segurar mais num próximo encontro. Começou a evitar Robson, não atendia os telefonemas. Quando falava com ele inventava uma desculpa para não o encontrar. Almoçava em outro restaurante.

Quase uma semana sem ver Keila. Robson se consumia. Na sexta-feira, saiu da fábrica 15 minutos antes e fez plantão em frente ao trabalho da amada. Ela não tinha como escapar. 

Foram para o apartamento dele. Beberam quase uma garrafa inteira de vodka com energético. Aquilo estava uma loucura. Num golpe só ele arrancou a blusa e o sutiã da garota. Era uma luta na cama. Tirou a saia com fúria. Quando puxou a calcinha para baixo, com as duas mãos, um choque!

Keila era Roberto. A imagem daquele negócio apontado pra ele (maior que o dele) deixou-o sem ação. Primeiro, Robson se levantou de susto, depois se sentou na cama para não cair. Não teve forças pra mais nada. Só falou baixo, arrasado, para Keila/Roberto ir embora.  

Robson ficou naquela cama até a noite seguinte, prostrado. Não saiu de casa por 5 dias. "Eu beijei a boca de um homem, passeei com um travesti". Vomitou várias vezes, teve diarréia. Pediu demissão por telefone. Não se alimentava. Emagreceu 6 quilos em duas semanas. Estava enlouquecendo.

"Vou matar aquele viado". Comprou um 38 com a numeração raspada de um vizinho de infância que virou malandro. Guardou o revólver no guarda-roupa até decidir o que iria fazer. 

No vigésimo dia após a fálica revelação, Robson tomou um banho e foi até a esquina do ponto de ônibus onde Keila/Roberto pegava a condução. Quando o travesti se aproximou, o moribundo abriu a porta do carro: "entra". Ele/ela quase não reconheceu o ex-namorado. Magro, de barba, com olheiras enormes, vestindo moleton com capuz e usando um boné, até a mãe dele o confundiria. 

A viagem ao prédio foi em silêncio. No elevador, Robson não cumprimentou a vizinha. Abriu a porta do apartamento com as mãos trêmulas. O corpo inteiro tremia. Não acendeu as luzes. Keila/Roberto entrou resignado, como gado no matadouro. Continuavam sem dizer uma palavra. 

De repente, Robson jogou a vítima na parede... E se entregou ao prazer. A todos os prazeres. Aos dele, aos de Keila e aos de Roberto.

P.S.: A arma continua no mesmo lugar. Robson só mexe nela de vez em quando para mostrar aos amigos o que ele faria se alguém resolvesse criar mais alguma torcida gay do Timão.

Por Romeu Piccoli

Foto: Romeu Piccoli

12 comentários:

  1. texto ótimo!!...adorei o final,claro.
    Beijos,Paty.

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  2. só não gostei da parte que fala do Timão!acho este drama e mais são Paulino o resto pra quem gosta come com farinha !

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    1. Hahaha. Pô, aí ficaria muito óbvio, João Abel. Abraço.

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  3. Adorei o termo "fálica revelação". Os textos aqui são sempre deliciosos!

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  4. Obrigado, Estela. Volte sempre. Abraço.

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  5. Romeus, muito legal...... Será que Robson não seria Gaucho?????

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